quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O LIVRO DOS ESPIRITOS



O Livro dos Espíritos - cap. IV item VI - Transmigração progressiva (quest. 189 a 196)

Desde o princípio de sua formação, o Espírito desfruta da plenitude de suas faculdades?
"Não, porque o Espírito, como o homem, tem também a sua infância. Em sua origem, os Espíritos têm apenas uma existência rudimentar, instintiva, possuindo apenas a consciência de si mesmos e de seus atos. A inteligência se lhe desenvolve lentamente."
Qual é o estado da alma em sua primeira encarnação?
"O mesmo da infância na vida corpórea. Sua inteligência apenas desabrocha: ela ensaia para a vida."
As almas de nossos selvagens são almas no estado de infância?
"Infância relativa, pois são almas já desenvolvidas dotadas de paixões."
As paixões denotam, portanto, desenvolvimento?
"Desenvolvimento, sim; não, porém, de perfeição. São sinais de atividade e de consciência própria; enquanto que na alma primitiva, a inteligência e a vida são rudimentares."
A vida do Espírito, em seu conjunto, segue as mesmas fases que vemos na vida corporal. Passa gradualmente do estado de embrião ao de infância, para chegar, por uma sucessão de períodos, ao estado adulto, que é o da perfeição, com a diferença de que nesta não há o declínio nem a decrepitude da vida corporal. Sua vida, que teve um começo, não terá fim; que lhe é necessário, sob o nosso ponto de vista, um longo período para passar da infância espírita a um desenvolvimento e o seu progresso realizar-se, não somente em um planeta mas através de diversos mundos. A vida do Espírito constitui-se, assim, em uma série de existências corporais, sendo cada qual uma oportunidade de progredir, como cada existência corporal se compõe de uma série de dias, cada um dos quais o homem adquire maior experiência e instrução. Mas, da mesma maneira que na vida humana há dias improdutivos, na do Espírito há existências corporais sem proveito, porque ele não soube conduzi-las.
Mediante uma conduta perfeita é possível ao Espírito vencer em uma única existência corpórea, todos os graus evolutivos e tornar-se puro, sem passar pelos níveis intermediários?
"Não, pois o que o homem julga perfeito está distante da perfeição. Há qualidades que lhe são desconhecidas e nem pode compreender. Poderá tornar-se tão perfeito quanto lhe permita a sua natureza terrena; esta, entretanto, não é a perfeição absoluta. Do mesmo modo que uma criança, por mais precoce que seja, deve passar pela juventude antes de chegar à idade adulta; assim como o doente passa pela convalescença antes de recuperar a saúde. Além disso, o Espírito deve igualmente avançar em conhecimento e moralidade. Se ele progrediu apenas num sentido, é necessário que igualmente progrida num outro, para chegar ao topo da escala. Quanto mais o homem avança em sua vida presente, menos as provas ser-lhe-ão longas e penosas."
O homem pode garantir desde esta vida uma existência futura menos cheia de amarguras?
"Sim, sem dúvida, pode abreviar o caminho e reduzir-lhe as dificuldades. Só o negligente fica sempre no mesmo ponto."
Em suas novas existências, um homem pode descer abaixo do ponto que anteriormente alcançara?
"Como posição social, sim. Como Espírito, não."
A alma de um homem de bem pode animar o corpo de um celerado, noutra encarnação?
"Não, pois ela não pode retroceder."
A alma de um homem perverso pode transformar-se na de um homem de bem?
"Sim, desde que se tenha arrependido. Ser-lhe-á, então, uma recompensa."
A marcha dos Espíritos é progressiva, jamais retrograda. Elevam-se gradualmente na hierarquia e não descem do plano alcançado. Em suas diferentes existências corporais, podem chegar a um nível inferior como homens, mas não como Espíritos. Assim, a alma de um poderoso na Terra pode, mais tarde, animar um humilde artesão, e vice-versa, porque as posições entre os homens estão, freqüentemente, na razão inversa da elevação dos sentimentos morais. Herodes era rei, e Jesus, carpinteiro.
A possibilidade de poder melhorar-se numa outra existência , não tende a levar certas pessoas a perseverar no mau caminho, com a idéia de que sempre poderão corrigir-se mais tarde?
"Os que assim pensam, em nada acreditam, e a idéia de um castigo eterno não os coibiria mais, porque sua razão a repele e essa idéia conduz à incredulidade. Se apenas se houvessem empregado meios racionais para orientar os homens, não existiriam tantos céticos. Um Espírito imperfeito pode, com efeito, pensar da forma questionada acima, durante a vida corpórea; mas, uma vez liberto da matéria, pensará de outra maneira, porque logo perceberá que calculou mal e é então que trará um sentimento diferente, em uma nova existência. É assim que se efetiva o progresso e eis porque temos, na Terra, homens mais avançados que outros. Alguns, já têm uma experiência pelas quais os outros ainda não passaram, mas que adquirirão pouco a pouco. Depende deles avançar na senda do progresso, ou retardá-lo indefinidamente."
O homem que se encontra numa posição má, deseja mudá-la o mais rapidamente possível. Aquele que se persuadiu que as atribulações desta vida são conseqüências de suas próprias imperfeições, procurará assegurar-se uma nova existência menos penosa. Este pensamento o desviará mais do caminho do mal, do que o do fogo eterno, no qual não acredita.
Desde que os Espíritos não se aperfeiçoam senão através do sofrimento e das tribulações da existência corporal, conclui-se que a vida material é uma espécie de crivo ou de cadinho, pelo qual devem passar os seres do mundo espírita, para chegarem à perfeição?
"Sim, é precisamente isso. Eles melhoram através das provas, evitando o mal e praticando o bem. Mas só ao fim de muitas encarnações ou depurações sucessivas é que atingem, num tempo mais ou menos longo e, segundo os seus esforços, o alvo que colimaram."

Evangelho Segundo o Espiritismo - cap. XVI - Não se pode servir a Deus e a Mamon - Salvação dos ricos

1. Nenhum servo pode servir a dois mestres, pois ou odiará um e amará o outro, ou se ligará a um e desprezará o outro. Não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e a Mamon. (Lucas, XVI:13)
2. Então, um jovem se aproximou dele e disse: - Bom Mestre, o que devo fazer, para adquirir a vida eterna? - Jesus lhe respondeu: - Por que me chamas de bom? Somente Deus é bom. Porém, se queres entrar na vida, guarda esses mandamentos. - Quais? Jesus lhe disse: Não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não dirás falso testemunho. Honrarás a teu pai e a tua mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo. O jovem lhe respondeu: - Eu guardei todos esses mandamentos desde a minha infância, o que me falta ainda? Jesus lhe disse: se quiseres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me.
Ouvindo essas palavras, o jovem se foi, triste, porque ele tinha muitos bens. E Jesus disse aos seus discípulos: - Eu vos digo, em verdade, que é bem difícil um rico entrar no Reino dos Céus. Eu vos digo mais uma vez: - É mais fácil um camelo1? passar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino dos Céus. (Mateus, XIX:16-24; Lucas, XII:18-25; Marcos X: 17-25)
Utilidade providencial da fortuna
7. Se a riqueza fosse um obstáculo absoluto à salvação daqueles que a possuem - como se poderia inferir de algumas palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o espírito. Deus, que as distribui, teria colocado nas mãos de alguns um instrumento fatal de perdição, pensamento que revolta à razão. A riqueza é, sem dúvida, uma prova muito arriscada, mais perigosa do que a miséria, devido aos seus atrativos, às tentações e à fascinação que exerce. É o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual. É o laço mais poderoso que liga o homem à Terra e desvia os seus pensamentos do céu. Produz uma tal vertigem, que se vê, muitas vezes, aquele que passa da miséria à fortuna esquecer rapidamente a sua antiga posição, bem como dos seus companheiros, daqueles que o ajudaram, tornando-se insensível, egoísta e fútil. Mas tornar a vida mais difícil, não é o mesmo que torná-la inviável e pode se transformar a riqueza em meio de salvação nas mãos daquele que dela souber tirar proveito, como alguns venenos que podem recuperar a saúde, se forem empregados à propósito e com discernimento.
Quando Jesus disse ao jovem que o interrogava sobre os meios para ganhar a vida eterna: "Desfaze-te de todos os teus bens, e segue-me", não pretendia estabelecer como princípio absoluto que cada um devesse despojar-se do que possui, e que a salvação só se consegue a esse preço, mas mostrar que o apego aos bens terrenos é um obstáculo à salvação. Esse jovem, na verdade, acreditava estar correto, já que havia observado certos mandamentos e, entretanto, recuava diante da idéia de abandonar os seus bens; seu desejo de obter a vida eterna não ia até esse sacrifício.
A proposta que Jesus lhe fazia era uma prova decisiva, para esclarecer o fundo do seu pensamento. Ele poderia, sem dúvida, ser um padrão de homem honesto, segundo o mundo, não fazer mal a ninguém, não maldizer o seu próximo, não ser fútil nem orgulhoso, honrar ao pai e à mãe. Mas ele não tinha a verdadeira caridade, pois a sua virtude não chegava até à abnegação. Foi isso o que Jesus quis demonstrar. Era a aplicação do princípio: fora da caridade não há salvação.
A conseqüência dessas palavras, tomadas num sentido rigoroso, seria a abolição da fortuna, como prejudicial à felicidade futura e como fonte de incontáveis males sobre a Terra. Seria, além disso, a condenação do trabalho que a pode proporcionar. Conseqüência absurda, que reconduziria o homem à vida selvagem e, exatamente por isso, estaria em contradição com a lei de progresso, que é uma lei de Deus.
Se a riqueza é a fonte de muitos males, se excita tanto às más paixões, se provoca tantos crimes, não é a ela que devemos ater-nos, mas ao homem que dela abusa, assim como faz com todos os dons de Deus. Pelo abuso, ele torna pernicioso o que lhe poderia ser-lhe mais útil. É a conseqüência do estado de inferioridade do mundo terreno. Se a riqueza produzisse apenas o mal, Deus não a teria colocado na Terra. Cabe ao homem saber transformá-la em fonte do bem. Se ela não é uma causa imediata do progresso moral, é, sem contestações, um poderoso elemento de progresso intelectual.
Com certeza, o homem tem por missão trabalhar para o desenvolvimento material do globo. Ele deve desbravá-lo, saneá-lo, dispô-lo para receber, um dia, toda a população que a sua extensão comporta. É preciso aumentar a produção, para alimentar essa população. Se a produção de uma região for insuficiente, é preciso buscá-la noutra. Por isso mesmo, as relações de povo a povo torna-se uma necessidade, e para facilitá-las, é indispensável destruir os obstáculos materiais que os separam, tornar mais rápidas as comunicações.
Para os trabalhos que são obras dos séculos, o homem teve de extrair materiais das próprias entranhas da terra. Buscou na Ciência os meios de executá-los mais segura e rapidamente. Mas, para fazê-lo, necessitava de recursos. A necessidade o fez produzir as riquezas, assim como esta o fez descobrir a Ciência. A atividade necessária para estes mesmos trabalhos lhe aumenta e desenvolve a inteligência, a qual ele concentra, primeiramente, sobre a satisfação das necessidades materiais, e que o ajudará, mais tarde, a compreender as grandes verdades morais.
Sem a riqueza, o primeiro meio de execução, não haveria grandes trabalhos, nem atividades, nem estímulos, nem pesquisas.
Para maior compreensão do assunto leia o capítulo inteiro.

O Livro dos Médiuns - cap. XIV - quest. 165 a 177

3. Médiuns audientes
165. Estes ouvem a voz dos Espíritos. É, como dissemos ao falar da pneumatofonia, algumas vezes uma voz interior, que se faz ouvir no foro íntimo; doutras vezes, é uma voz exterior, clara e distinta, qual a de uma pessoa viva. Os médiuns audientes podem, assim, travar conversação com os Espíritos. Quando têm o hábito de se comunicar com determinados Espíritos, eles os reconhecem imediatamente pela natureza da voz. Quem não seja dotado desta faculdade pode, igualmente, comunicar com um Espírito, se tiver, a auxiliá-lo, um médium audiente, que desempenhe a função de intérprete.
Esta faculdade é muito agradável, quando o médium só ouve Espíritos bons, ou unicamente aqueles por quem chama. Assim, entretanto, já não é, quando um Espírito mau se lhe agarra, fazendo-lhe ouvir a cada instante as coisas mais desagradáveis e não raro as mais inconvenientes. Cumpre-lhe, então, procurar livrar-se desses Espíritos, pelos meios que indicaremos no capítulo da Obsessão.

4. Médiuns falantes
166. Os médiuns audientes, que apenas transmitem o que ouvem, não são, a bem dizer, médiuns falantes. Estes últimos, as mais das vezes, nada ouvem. Neles, o Espírito atua sobre os órgãos da palavra, como atua sobre a mão dos médiuns escreventes. Querendo comunicar-se, o Espírito se serve do órgão que se lhe depara mais flexível no médium. A um, toma da mão; a outro, da palavra; a um terceiro, do ouvido. O médium falante geralmente se exprime sem ter consciência do que diz e muitas vezes diz coisas completamente estranhas às suas idéias habituais, aos seus conhecimentos e, até, fora do alcance de sua inteligência. Embora se ache perfeitamente acordado e em estado normal, raramente guarda lembrança do que diz. Em suma, nele, a palavra é um instrumento de que se serve o Espírito, com o qual uma terceira pessoa pode comunicar-se, como pode com o auxilio de um médium audiente.
Nem sempre, porém, é tão completa a passividade do médium falante. Alguns há que têm a intuição do que dizem, no momento mesmo em que pronunciam as palavras.
Voltaremos a ocupar-nos com esta espécie de médiuns, quando tratarmos dos médiuns
intuitivos.
167. Os médiuns videntes são dotados da faculdade de ver os Espíritos. Alguns gozam dessa faculdade em estado normal, quando perfeitamente acordados, e conservam lembrança precisa do que viram. Outros só a possuem em estado sonambúlico, ou próximo do sonambulismo. Raro é que esta faculdade se mostre permanente; quase sempre é efeito de uma crise passageira. Na categoria dos médiuns videntes se podem incluir todas as pessoas dotadas de dupla vista. A possibilidade de ver em sonho os Espíritos resulta, sem contestação, de uma espécie de mediunidade, mas não constitui, propriamente falando, o que se chama médium vidente. Explicamos esse fenômeno em o capítulo VI - Das manifestações visuais.
O médium vidente julga ver com os olhos, como os que são dotados de dupla vista; mas, na realidade, é a alma quem vê e por isso é que eles tanto vêem com os olhos fechados, como com os olhos abertos; donde se conclui que um cego pode ver os Espíritos, do mesmo modo que qualquer outro que tem perfeita a vista. Sobre este último ponto caberia fazer-se interessante estudo, o de saber se a faculdade de que tratamos é mais freqüente nos cegos. Espíritos que na Terra foram cegos nos disseram que, quando vivos, tinham, pela alma, a percepção de certos objetos e que não se encontravam imersos em negra escuridão.
168. Cumpre distinguir as aparições acidentais e espontâneas da faculdade propriamente dita de ver os Espíritos. As primeiras são freqüentes, sobretudo no momento da morte das pessoas que aquele que vê amou ou conheceu e que o vêm prevenir de que já não são deste mundo. Há inúmeros exemplos de fatos deste gênero, sem falar das visões durante o sono. Doutras vezes, são, do mesmo modo, parentes, ou amigos que, conquanto mortos há mais ou menos tempo, aparecem, ou para avisar de um perigo, ou para dar um conselho, ou, ainda, para pedir um serviço. O serviço que o Espírito pode solicitar é, em geral, a execução de uma coisa que lhe não foi possível fazer em vida, ou o auxílio das preces. Estas aparições constituem fatos isolados, que apresentam sempre um caráter individual e pessoal, e não efeito de uma faculdade propriamente dita. A faculdade consiste na possibilidade, senão permanente, pelo menos muito freqüente de ver qualquer Espírito que se apresente, ainda que seja absolutamente estranho ao vidente. A posse desta faculdade é o que constitui, propriamente falando, o médium vidente.
Entre esses médiuns, alguns há que só vêem os Espíritos evocados e cuja descrição podem fazer com exatidão minuciosa. Descrevem-lhes, com as menores particularidades, os gestos, a expressão da fisionomia, os traços do semblante, as vestes e, até, os sentimentos de que parecem animados. Outros há em quem a faculdade da vidência é ainda mais ampla: vêem toda a população espírita ambiente, a se mover em todos os sentidos, cuidando, poder-se-ia dizer, de seus afazeres.
169. Assistimos uma noite à representação da ópera Oberon, em companhia de um médium vidente muito bom. Havia na sala grande número de lugares vazios, muitos dos quais, no entanto, estavam ocupados por Espíritos, que pareciam interessar-se pelo espetáculo. Alguns se colocavam junto de certos espectadores, como que a lhes escutar a conversação. Cena diversa se desenrolava no palco: por detrás dos atores muitos Espíritos, de humor jovial, se divertiam em arremedá-los, imitando-lhes os gestos de modo grotesco; outros, mais sérios, pareciam inspirar os cantores e fazer esforços por lhes dar energia. Um deles se conservava sempre junto de uma das principais cantoras.
Julgando-o animado de intenções um tanto levianas e tendo-o evocado após a terminação do ato, ele acudiu ao nosso chamado e nos reprochou, com severidade, o temerário juízo: "Não sou o que julgas, disse; sou o seu gula e seu Espírito protetor; sou encarregado de dirigi-la." Depois de alguns minutos de uma palestra muito séria, deixou--nos, dizendo: "Adeus; ela está em seu camarim; é preciso que vá vigiá-la." Em seguida, evocamos o Espírito Weber, autor da ópera, e lhe perguntamos o que pensava da execução da sua obra. "Não de todo má; porém, frouxa; os atores cantam, eis tudo. Não há inspiração. Espera, acrescentou, vou tentar dar-lhes um pouco do fogo sagrado." Foi visto, daí a nada, no palco, pairando acima dos atores. Partindo dele, um como eflúvio se derramava sobre os intérpretes. Houve, então, nestes, visível recrudescência de energia.
170. Outro fato que prova a influência que os Espíritos exercem sobre os homens, à revelia destes: Assistíamos, como nessa noite, a uma representação teatral, com outro médium vidente. Travando conversação com um Espírito espectador, disse-nos ele: "Vês aquelas duas damas sós, naquele camarote da primeira ordem? Pois bem, estou esforçando-me por fazer que deixem a sala." Dizendo isso, o médium o viu ir colocar-se no camarote em questão e falar às duas. De súbito, estas, que se mostravam muito atentas ao espetáculo, se entreolharam, parecendo consultar-se mutuamente.
Depois, vão-se e não mais voltam. O Espírito nos fez então um gesto cômico, querendo significar que cumprira o que dissera. Não É tornamos a ver, para pedir-lhe explicações mais amplas. assim que muitas vezes fomos testemunha do papel que os Espíritos desempenham entre os vivos. Observamo-los em diversos lugares de reunião, em bailes, concertos, sermões, funerais, casamentos, etc., e por toda parte os encontramos atiçando paixões más, soprando discórdias, provocando rixas e rejubilando-se com suas proezas. Outros, ao contrário, combatiam essas influências perniciosas, porém, raramente eram atendidos.
171. A faculdade de ver os Espíritos pode, sem dúvida, desenvolver-se, mas é uma das de que convém esperar o desenvolvimento natural, sem o provocar, em não se querendo ser joguete da própria imaginação. Quando o gérmen de uma faculdade existe, ela se manifesta de si mesma. Em princípio, devemos contentar-nos com as que Deus nos outorgou, sem procurarmos o impossível, por isso que, pretendendo ter muito, corremos o risco de perder o que possuímos.
Quando dissemos serem freqüentes os casos de aparições espontâneas (n. 107), não quisemos dizer que são muito comuns. Quanto aos médiuns videntes, propriamenteditos, ainda são mais raros e há muito que desconfiar dos que se inculcam possuidoresdessa faculdade. E prudente não se lhes dar crédito, senão diante de provas positivas.
Não aludimos sequer aos que se dão à ilusão ridícula de ver os Espíritos glóbulos, quedescrevemos no n. 108; falamos apenas dos que dizem ver os Espíritos de modo racional. E fora de dúvida que algumas pessoas podem enganar-se de boa-fé, porém, outras podem também simular esta faculdade por amor-próprio, ou por interesse. Neste caso, é preciso, muito especialmente, levarem conta o caráter, a moralidade e a sinceridade habituais; todavia, nas particularidades, sobretudo, é que se encontram meios de mais segura verificação, porquanto algumas há que não podem deixar suspeita, como, por exemplo, a exatidão no retratar Espíritos que o médium jamais conheceu quando encamados. Pertence a esta categoria o fato seguinte: Uma senhora, viúva, cujo marido se comunica freqüentemente com ela, estava certa vez em companhia de um médium vidente, que não a conhecia, como não lhe conhecia a família. Disse-lhe o médium, em dado momento: - Vejo um Espírito perto da senhora. - Ah! disse esta por sua vez: E com certeza meu marido, que quase nunca me deixa. - Não, respondeu o médium, é uma mulher de certa idade; está penteada de modo singular; traz um bandó branco sobre a fronte.
Por essa particularidade e outros detalhes descritos, a senhora reconheceu, sem haver possibilidade de engano, sua avó, em quem naquele instante absolutamente não pensava. Se o médium houvesse querido simular a faculdade, fácil lhe fora acompanhar o pensamento da dama. Entretanto, em vez do marido, com quem ela se achava preocupada, ele vê uma mulher, com uma particularidade no penteado, da qual coisa alguma lhe podia dar idéia. Este fato prova também que a vidência, no médium, não era reflexo de qualquer pensamento estranho. (Veja-se o n. 102.)
6. Médiuns sonambúlicos
172. Pode considerar-se o sonambulismo uma variedade da faculdade mediúnica, ou, melhor, são duas ordens de fenômenos que freqüentemente se acham reunidos. O sonâmbulo age sob a influência do seu próprio Espírito; é sua alma que, nos momentos de emancipação, vê, ouve e percebe, fora dos limites dos sentidos. O que ele externa tira-o de si mesmo; suas idéias são, em geral, mais justas do que no estado normal, seus conhecimentos mais dilatados, porque tem livre a alma. Numa palavra, ele vive antecipadamente a vida dos Espíritos. O médium, ao contrário, é instrumento de uma inteligência estranha; é passivo e o que diz não vem de si Em resumo, o sonâmbulo exprime o seu próprio pensamento, enquanto que o médium exprime o de outrem. Mas, o Espírito que se comunica com um médium comum também o pode fazer com um sonâmbulo; dá-se mesmo que, muitas vezes, o estado de emancipação da alma facilita essa comunicação. Muitos sonâmbulos vêem perfeitamente os Espíritos e os descrevem com tanta precisão, como os médiuns videntes. Podem confabular com eles e transmitir-nos seus pensamentos. O que dizem, fora do âmbito de seus conhecimentos pessoais, lhes é com freqüência sugerido por outros Espíritos. Aqui está um exemplo notável, em que a dupla ação do Espírito do sonâmbulo e de outro Espírito se revela e de modo inequívoco.
173. Um de nossos amigos tinha como sonâmbulo um rapaz de 14 a 15 anos, de inteligência muito vulgar e instrução extremamente escassa. Entretanto, no estado de sonambulismo, deu provas de lucidez extraordinária e de grande perspicácia. Excedia, sobretudo, no tratamento das enfermidades e operou grande número de curas consideradas impossíveis. Certo dia, dando consulta a um doente, descreveu a enfermidade com absoluta exatidão. Não basta, disseram-lhe, agora é preciso que indiques o remédio. Não posso, respondeu, meu anjo doutor não está aqui. Quem é esse anjo doutor de quem falas? - O que dita os remédios. - Não és tu, então, que vês os remédios? - Oh! não; estou a dizer que é o meu anjo doutor quem mos dita.
Assim, nesse sonâmbulo, a ação de ver o mal era do seu próprio Espírito que, para isso, não precisava de assistência alguma; a indicação, porém, dos remédios lhe era dada por outro. Não estando presente esse outro, ele nada podia dizer. Quando só, era apenas sonâmbulo; assistido por aquele a quem chamava seu anjo doutor, era sonâmbulo-médium.
174. A lucidez sonambúlica é uma faculdade que se radica no organismo e que independe, em absoluto, da elevação, do adiantamento e mesmo do estado moral do indivíduo. Pode, pois, um sonâmbulo ser muito lúcido e ao mesmo tempo incapaz de resolver certas questões, desde que seu Espírito seja pouco adiantado. O que fala por si próprio pode, portanto, dizer coisas boas ou más, exatas ou falsas, demonstrar mais ou menos delicadeza e escrúpulo nos processos de que use, conforme o grau de elevação, ou de inferioridade do seu próprio Espírito. A assistência então de outro Espírito pode suprir-lhe as deficiências. Mas, um sonâmbulo, tanto como os médiuns, pode ser assistido por um Espírito mentiroso, leviano, ou mesmo mau. AI, sobretudo, é que as qualidades morais exercem grande influência, para atraírem os bons Espíritos. (Veja-se: O Livro dos Espíritos, "Sonambulismo", n. 425, e, aqui, adiante, o capítulo sobre a "Influência moral do médium".)
175. Unicamente para não deixar de mencioná-la, falaremos aqui desta espécie de médiuns, porquanto o assunto exigiria desenvolvimento excessivo para os limites em que precisamos ater-nos. Sabemos, ao demais, que um de nossos amigos, médico, se propõe a tratá-lo em obra especial sobre a medicina intuitiva. Diremos apenas que este gênero de mediunidade consiste, principalmente, no dom que possuem certas pessoas de curar pelo simples toque, pelo olhar, mesmo por um gesto, sem o concurso de qualquer medicação. Dir-se-á, sem dúvida, que isso mais não é do que magnetismo.
Evidentemente, o fluido magnético desempenha aí importante papel; porém, quem examina cuidadosamente o fenômeno sem dificuldade reconhece que há mais alguma coisa. A magnetização ordinária é um verdadeiro tratamento seguido, regular e metódico; no caso que apreciamos, as coisas se passam de modo inteiramente diverso.
Todos os magnetizadores são mais ou menos aptos a curar, desde que saibam conduzir-se
convenientemente, ao passo que nos médiuns curadores a faculdade é espontânea e alguns até a possuem sem jamais terem ouvido falar de magnetismo. A intervenção de uma potência oculta, que é o que constitui a mediunidade, se faz manifesta, em certas circunstâncias, sobretudo se considerarmos que a maioria das pessoas que podem, com razão, ser qualificadas de médiuns curadores recorre à prece, que é uma verdadeira evocação. (Veja-se atrás o n. 131.)
176. Eis aqui as respostas que nos deram os Espíritos às perguntas que lhes dirigimos sobre este assunto:
1ª a Podem considerar-se as pessoas dotadas de força magnética como formando uma variedade de médiuns?
"Não há que duvidar."
2ª Entretanto, o médium é um intermediário entre os Espíritos e o homem; ora, o magnetizador, haurindo em si mesmo a força de que se utiliza, não parece que seja intermediário de nenhuma potência estranha.
"É um erro; a força magnética reside, sem dúvida, no homem, mas é aumentada pela ação dos Espíritos que ele chama em seu auxilio. Se magnetizas com o propósito de curar, por exemplo, e invocas um bom Espírito que se interessa por ti e pelo teu doente, ele aumenta a tua força e a tua vontade, dirige o teu fluido e lhe dá as qualidades necessárias."
3ª Há, entretanto, bons magnetizadores que não crêem nos Espíritos?
"Pensas então que os Espíritos só atuam nos que crêem neles? Os que magnetizam para o bem são auxiliados por bons Espíritos. Todo homem que nutre o desejo do bem os chama, sem dar por isso, do mesmo modo que, pelo desejo do mal e pelas más intenções, chama os maus."
4ª Agiria com maior eficácia aquele que, tendo a força magnética, acreditasse na intervenção dos Espíritos?
"Faria coisas que consideraríeis milagre."
5ª Há pessoas que verdadeiramente possuem o dom de curar pelo simples contacto, sem o emprego dos passes magnéticos?
"Certamente; não tens disso múltiplos exemplos?"
6ª Nesse caso, há também ação magnética, ou apenas influência dos Espíritos?
"Uma e outra coisa. Essas pessoas são verdadeiros médiuns, pois que atuam sob a influência dos Espíritos; isso, porém, não quer dizer que sejam quais médiuns curadores, conforme o entendes."
7ª Pode transmitir-se esse poder?
"O poder, não; mas o conhecimento de que necessita, para exercê-lo, quem o possua. Não falta quem não suspeite sequer de que tem esse poder, se não acreditar que lhe foi transmitido."
8ª Podem obter-se curas unicamente por meio da prece?
"Sim, desde que Deus o permita; pode dar-se, no entanto, que o bem do doente esteja em sofrer por mais tempo e então julgais que a vossa prece não foi ouvida."
9ª Haverá para isso algumas fórmulas de prece mais eficazes do que outras?
"Somente a superstição pode emprestar virtudes quaisquer a certas palavras e somente Espíritos ignorantes, ou mentirosos podem alimentar semelhantes idéias, prescrevendo fórmulas. Pode, entretanto, acontecer que, em se tratando de pessoas pouco esclarecidas e incapazes de compreender as coisas puramente espirituais, o uso de determinada fórmula contribua para lhes infundir confiança. Neste caso, porém, não é na fórmula que está a eficácia, mas na fé, que aumenta por efeito da idéia ligada ao uso da fórmula."
8. Médiuns pneumatógrafos
177. Dá-se este nome aos médiuns que têm aptidão para obter a escrita direta, o que não é possível a todos os médiuns escreventes. Esta faculdade, até agora, se mostra muito rara. Desenvolve-se, provavelmente, pelo exercício; mas, como dissemos, sua utilidade prática se limita a uma comprovação patente da intervenção de uma força oculta nas manifestações. Só a experiência é capaz de dar a ver a qualquer pessoa se a possui Pode-se, portanto, experimentar, como também se pode inquirir a respeito um Espírito protetor, pelos outros meios de comunicação. Conforme seja maior ou menor o poder do médium, obtêm-se simples traços, sinais, letras, palavras, frases e mesmo páginas inteiras. Basta de ordinário colocar uma folha de papel dobrada num lugar qualquer, ou indicado pelo Espírito, durante dez minutos, ou um quarto de hora, às vezes mais. A prece e o recolhimento são condições essenciais; é por isso que se pode considerar impossível a obtenção de coisa alguma, numa reunião de pessoas pouco sérias, ou não animadas de sentimentos de simpatia e benevolência. (Veja-se a teoria da escrita direta, capítulo VIII, Laboratório do mundo invisível, n. 127 e seguintes, e capítulo XII, Pneumatografia.)
Trataremos de modo especial dos médiuns escreventes nos capítulos que se seguem.

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