quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

CURSO - SENSAÇÃO NOS ESPÍRITOS


Ensaio teórico sobre a sensação nos espíritos (cap. VI, item IV, questão 257 Livro dos Espíritos)

O corpo é o instrumento da dor; se não é a sua primeira causa, é ao menos a causa imediata. A alma tem a percepção dessa dor: essa percepção é o efeito. A lembrança que dela conserva pode ser muito penosa, mas não pode implicar em ação física. Com efeito, nem o frio nem o calor podem desestruturar os tecidos da alma pois esta não pode regelar-se, nem queimar. Não vemos, todos os dias, a lembrança ou a expectativa angustiosa diante de um mal físico, produzir os seus efeitos, ocasionando até mesmo a morte? Todos sabem que as pessoas que sofreram amputações sentem dor no membro que não possuem mais. Seguramente não é esse membro a sede, nem mesmo o ponto de partida da dor. O cérebro conserva a impressão, eis tudo. Podemos, desta forma, acreditar que há qualquer coisa de semelhante nos sofrimentos dos Espíritos após a morte. Um estudo mais aprofundado do perispírito, que desempenha papel importante em todos os fenômenos espíritas, como nas aparições vaporosas ou tangíveis, no estado do Espírito no momento da morte, na idéia tão freqüente, de que ainda está vivo, na situação surpreendente dos suicidas, dos supliciados, das pessoas que viveram tão somente para desfrutar dos prazeres materiais, e tantos outros fatos, vieram lançar luz sobre esta questão, dando lugar às explicações de que apresentamos aqui um resumo.

O perispírito é o laço que une o Espírito à matéria do corpo. É tomado do meio ambiente, do fluido universal. Contém ao mesmo tempo, eletricidade, fluido magnético, e até certo ponto, a matéria inerte. Poderíamos dizer que é a quintessência da matéria; é o princípio da vida orgânica, mas não o da vida intelectual, pois esta pertence ao Espírito. É, igualmente, o agente das sensações exteriores. No corpo, essas sensações estão localizadas nos órgãos que lhes servem de canal. Destruído o corpo, as sensações se generalizam. Eis porque o Espírito não diz que sofre mais da cabeça que dos pés. A propósito, é necessário precavermo-nos de confundir as sensações do perispírito, independente das do corpo: podemos tomar estas últimas apenas como termo de comparação e não como analogia. Liberto do corpo, o Espírito pode sofrer, mas esse sofrimento não é o mesmo do corpo. Não obstante, não é um sofrimento unicamente moral, como o remorso, pois o Espírito se queixa das sensações de frio e calor. Mas não sofre mais no inverno que no verão: vemo-los passar por entre as chamas sem nada provar de penoso, o que evidencia que a temperatura não exerce sobre eles nenhuma impressão. A dor que sentem não é, portanto, uma dor física propriamente dita: é um vago sentimento íntimo do qual o próprio Espírito nem sempre tem perfeita consciência, precisamente porque não é localizada nem produzida por agentes exteriores; é antes uma lembrança penosa. Da mesma forma, há mais que uma lembrança, como veremos.

A experiência nos ensina que, no momento da morte, o perispírito se desprende gradativamente do corpo; nos primeiros instantes, o Espírito não compreende a sua situação; não acredita estar morto, sente-se vivo. Vê seu corpo ao lado, sabe que é seu e não entende porque esteja separado. Esse estado perdura por todo o tempo enquanto existir um liame entre o corpo e o perispírito. Um suicida nos relatou: “Não, eu não estou morto”, e acrescentava: “e, no entanto, sinto os vermes que me roem”. Ora, seguramente, os vermes não roíam o perispírito e, ainda menos, o Espírito mas sim, o corpo. Mas como a separação do corpo e do perispírito não estava completa, havia uma espécie de repercussão moral, que lhe transmitia a sensação do que se passava no corpo. Repercussão não é bem o termo, pois poderia dar a entender um efeito muito material. É antes a visão do que se passava no corpo ao qual o perispírito continuava ligado, que produzia nele essa ilusão, tomada por real. Assim, não se tratava de uma lembrança, pois durante sua vida, não fora roído pelos vermes: era uma sensação atual.

Vemos, portanto, as deduções que podemos tirar dos fatos, quando observados atentamente. Durante a vida, o corpo recebe as impressões exteriores e as transmite ao Espírito por intermédio do perispírito, que constitui, provavelmente, o que chamamos de fluido nervoso. O corpo, estando morto, não sente mais nada, porque não possui mais Espírito, nem perispírito. O perispírito, desligado do corpo, prova a sensação; mas como esta não lhe chega através de um canal limitado, torna-se generalizado. Ora, como o perispírito é, na realidade, apenas um agente de transmissão, pois é o Espírito que tem a consciência, deduz-se que, se pudesse existir perispírito sem Espírito, ele não sentiria mais do que um corpo quando morto. Da mesma forma, se o Espírito não tivesse perispírito, estaria inacessível a toda sensação penosa. É o que ocorre com os Espíritos completamente depurados. Sabemos que, quanto mais o Espírito se purifica, mais eterizada se torna a essência do perispírito, de modo que a influência material diminui à medida que o Espírito progride, isto é, à medida que o perispírito torna-se menos denso.

Mas, dir-se-á, as sensações agradáveis são transmitidas ao Espírito pelo perispírito, tanto quanto as desagradáveis. Ora, se o Espírito puro é inacessível a umas, deve sê-lo igualmente às outras. Sem dúvida, àquelas que provêm unicamente da influência da matéria que conhecemos. O som de nossos instrumentos, o perfume de nossas flores não lhes produz nenhuma impressão, e não obstante, eles desfrutam de sensações íntimas, de um encanto indefinível, que não podemos ter nenhuma idéia, porque estamos para elas, como cegos de nascença para a luz. Sabemos que essas sensações agradáveis e sutis existem; mas por qual meio? Aí se detém o nosso conhecimento. Sabemos que o Espírito possui percepção, sensação, audição, visão – que essas faculdades são atributos de todo o seu ser e não apenas de certos órgãos, como no homem. Mas ainda uma vez, de que forma? É o que não sabemos. Os próprios Espíritos não podem explicar-nos, pois nossa língua não foi feita para exprimir idéias que não possuímos, assim como na língua dos selvagens não existem vocábulos que expressem as nossas artes, as nossas ciências e as nossas doutrinas filosóficas.

Ao dizer que os Espíritos são inacessíveis às impressões da nossa matéria, falamos dos Espíritos muito elevados, cujo envoltório etéreo não possui termos análogos por aqui. Não é o mesmo com aquele cujo perispírito é mais denso pois percebe os nossos sons e sente os nossos odores, mas não por uma parte específica de seu corpo, como quando vivo. Poderíamos dizer que as vibrações moleculares se fazem sentir em todo o seu ser, chegando assim ao seu sensorium commune, que é o próprio Espírito, mas de uma forma diversa, produzindo uma impressão diferente, o que acarreta uma alteração na percepção. Ouvem o som de nossa voz e, portanto, compreendem-nos sem necessidade da palavra, apenas através da transmissão do pensamento, o que é demonstrado pelo fato de haver uma maior condição de penetrabilidade para o Espírito desmaterializado.

Quanto à visão, é independente de nossa luz, pois a faculdade de ver é um atributo essencial à alma: para ela, não há obscuridade e apresenta-se mais ampla e penetrante entre os que estão mais depurados. A alma, ou o Espírito, tem portanto em si mesmo a faculdade de todas as percepções. Na vida corporal, elas são obscurecidas pelo grau de densidade de seus órgãos. Na vida extracorpórea, tê-las-á mais apuradas, à medida que o envoltório semimaterial torna-se menos denso.

Esse envoltório, tomado do meio ambiente, varia segundo a natureza dos mundos. Ao passar de um mundo a outro, os Espíritos mudam de envoltório, como mudamos de roupa ao passar do inverno ao verão ou do pólo ao equador. Os Espíritos mais elevados, quando vêm visitar-nos, revestem-se do perispírito terrestre e então, suas percepções assemelham-se às dos Espíritos vulgares. Mas todos, tanto inferiores como os superiores, ouvem e sentem o que querem ouvir e sentir. Como são desprovidos de órgãos sensoriais, podem tornar suas percepções ativas ou nulas à vontade, havendo apenas uma coisa que são forçados a ouvir: são os conselhos dos bons Espíritos. A visão é sempre ativa, mas podem tornar-se invisíveis uns para os outros. Conforme a classe a que pertençam, podem ocultar-se dos que lhes são inferiores, mas não dos superiores. Nos primeiros momentos após a morte, a visão do Espírito é sempre turva e obscura, esclarecendo-se à medida que ele se liberta e podendo adquirir a mesma clareza que teve quando em vida, além da possibilidade de penetrar nos corpos opacos. Quanto à sua extensão através do espaço infinito, no passado e no futuro, depende do grau de pureza e de elevação do Espírito.

Toda essa teoria, dir-se-á, não é muito tranqüilizadora. Pensamos que, uma vez desembaraçados de nosso grosseiro envoltório, instrumento de nossas dores, não sofreríamos mais, e eis que nos ensinam que sofreremos ainda. Podemos ainda sofrer, e muito, durante longo tempo, mas também podemos não sofrer mais, desde o instante em que deixamos essa vida corpórea.

Os sofrimentos deste mundo são, às vezes, decorrentes de nossa própria vontade. Que se remonte à origem e ver-se-á que a maior parte é conseqüência de causas que poderíamos ter evitado. Quantos males e enfermidades o homem não deve a esses excessos, à sua ambição, às suas paixões, enfim? O homem que tivesse vivido sempre sobriamente, que não houvesse cometido abusos, que tivesse sido simples em seus gostos e modesto em seus desejos, se pouparia de muitas tribulações. O mesmo acontece aos Espíritos: os sofrimentos que enfrenta são sempre conseqüência da maneira pela qual viveu na Terra. Não terá, sem dúvida, a gota e o reumatismo, mas terá outros sofrimentos que não serão menores.

Vimos que esses sofrimentos são o resultado dos laços que ainda existem entre o Espírito e a matéria. Quanto mais estiver desligado da influência da matéria, ou seja, quanto mais estiver desmaterializado, menos sentirá as sensações penosas. Ora, depende dele afastar-se dessa influência desde esta vida, pois tem o livre-arbítrio e, por conseqüência, a escolha entre fazer e não fazer. Por conseguinte, que exerça domínio sobre suas paixões animais; não tenha nem ódio, nem inveja, nem ciúme, nem orgulho; que não seja dominado pelo egoísmo; que purifique sua alma pelos bons sentimentos; que pratique o bem; que não dê às coisas deste mundo senão a importância que merecem; então, mesmo sob o envoltório corpóreo, já estará depurado, já estará livre da matéria e, quando deixar esse envoltório, não sofrerá mais a sua influência. Os sofrimentos físicos pelos quais tiver passado não lhe deixarão nenhuma lembrança penosa; não lhe restará nenhuma impressão desagradável, porque estas não afetaram ao Espírito, mas apenas o corpo; sentir-se-á feliz por estar liberto e a tranqüilidade de sua consciência o afastará de todo sofrimento moral.

Interrogamos sobre o assunto milhares de Espíritos, pertencentes a todas as classes sociais e posições. Estudamo-los em todos os estágios de sua vida espírita, desde o momento em que deixaram a vestidura carnal. Seguimo-los, passo a passo na vida além-túmulo, observando as mudanças que neles se operavam, em suas idéias e sensações. A esse respeito, os homens mais simples não foram os que nos forneceram menos preciosos objetos de estudo. Ora, vimos sempre que os sofrimentos estão relacionados à conduta, da qual sofrem as conseqüências, e que a nova existência é uma fonte de felicidade inefável àqueles que tomaram o bom caminho. De onde se segue que os que sofrem é porque assim o quiseram e só devem queixar-se de si mesmos, tanto no outro mundo quanto neste.

Sensorium commune: expressão latina, significando a sede das sensações, da sensibilidade. (N. do E.)

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